Acontecera em pleno século XVIII, num dia feriado, 1 de Novembro, estava a ocorrer missa na pequena capela do forte, e a guarnição nesse tempo era composta por cerca de dez homens, 7 artilheiros, o cabo, o sargento e o maioral, o governador da praça-forte que por tal o ser é dele o único nome que esta história regista, um tal Vicente da Fonseca Pimentel. Toda a gente estava sentada na pequena capela, com poucos lugares mais do que os suficientes para albergar a guarnição, então sentada com os poucos bancos que havia disponíveis e começando a ouvir as primeiras palavras que o sacerdote designado para celebrar a missa, ou melhor o frade franciscano que conseguiram convocar para assumir a celebração – uma vez que todos os restantes sacerdotes estavam ocupados nas suas respectivas paróquias. Estava o referido sacerdote nas exéquias de um soldado da artilharia falecido no último ano, dando graças a todos pelo ano que decorreu, quando de repente, os Altíssimos decidiram entrar também na celebração e então eis que por todo o lado se sentiu tremer. Desde os poderosas e pesadas muralhas do forte até às árvores mais frágeis abanavam que nem umas doidas sacudidas por espíritos invisíveis. Por 30 breves seguintes tudo vibrava: mesas, cadeiras, crucifixos e onze homens apanhados de surpresa dentro de uma minúscula capela, quando deviam estar a dar Graças a Todos os Santos pelo ano decorrido, quando em vez de paz o que receberam foi uma plena artimanha do diabo !
Parecia que do Interior da terra se erguia um gemido amedrontador que tinha feito troar toda a fortaleza e ainda se ouviam as águas a revolverem-se no fundo do poço que existia dentro do Forte. Toda a gente assustada, como é natural, onze pessoas vieram imediatamente para fora, tentando ainda não perder as suas cabeças recobrando os seus pensamentos e poder tratar-se de um ataque convencional ao forte: estariam aí piratas que dispararam canhões contra o forte. Mas tal não podia ser possível, ninguém ouvira qualquer som que fosse fora o agitar de todas as fundações do forte.
Quando de repente olharam mais à volta, eis que notaram que uma das rampas de acesso aos baluartes tinha desabado e ao longe pareceu ouvir-se aquilo que parecia ser um silvo de algo que vinha de longe do mar, que a princípio parecia ser algo muito indistinto. O franciscano padre improvisado, era um frade dos seus trinta anos, estava histérico e não conseguia articular coisa e coisa, repetindo sempre a mesma frase: : “Salvem-se, salvem-se, pobres almas do Diabo! Veio o Juízo final e vamos ser todos condenados para a danação eterna”.
Ao princípio, todos os soldados tentaram sossegar os ânimos começando pelo cabo e sargento-de-armas e ainda entender o que se tinha passado, quando ao longe, num troar incessante, ouvi-se o mar ao fundo o que parecia o som em crescendo do marejar . Correram todos os homens pela única rampa que restava – já que a outra tinha desabado – e a igreja não tinha janela para o Mar – quando finalmente chegaram lá acima puderam ver o que parecia ser uma enorme muralha azul-marinha a cintilar ao sol e a aumentar de tamanho a cada segundo que passava, e avançando a toda a velocidade na direcção da Terra, primeiro parecendo apenas um traço azul escuro a alargar a linha do horizonte, mas ao avançar, revelando ser uma enorme muralha azul-marinha avançando a toda a velocidade parecendo que não iria ser detida pelo frágil areal da Ilha-Barreira que estava entre a laguna e o Mar. Os soldados perante mais uma artimanha do demónio e para a qual não haviam sido treinados desataram a fugir para todos os lados. Do governador, que deveria ser o homem que os deveria por todos de volta ao sentido, ninguém sabia: só se ouviu o barulho do cavalgar do único cavalo que estava nas estrebarias disponível a fugir desenfreadamente e a fechar com estrondo o portão do forte através de si: era o governador Vicente Pimentel: achou de dali devia fugir o mais depressa que pudesse, pouco importando a vida dos seus subordinados. Provavelmente, pensou, terem desenrascado um jovem frade franciscano teria causado a Ira do Senhor, que em, castigo, decidiu entregar todas as almas que estavam a ouvir a almas dada por aquele frade que devia ser um feiticeiro e não um representante idóneo para o sacerdócio.
Eis que para acalmar os ânimos, o sargento disse: já fui marinheiro e para subsistir a uma tormenta o melhor é amarrar-nos aos mastros da embarcação: mas o forte não era uma embarcação embora parecesse estar em vias de o parecer vir a ser quando a grande onda marinha avançasse para dentro de Terra. Mas onde iriam arranjar uma corda e um mastro naquele forte. Qual seria o objecto daquele forte construído havia 80 anos mais firmemente incrustado na crosta terrestre que funcionasse como o mais sólido dos mastros de um barco ? Na falta de tempo para pensar todos os homens decidiram usar o pequeno gradeamento que ocupava uma pequena abertura na muralha sul do Forte. Agarraram-se todos uns aos outros como um cordão humano à espera da chegada do pior. Tentaram acalmar-se e aguardar a chegada da Onda da Ira Divina, que era o que o pobre frade não parava de lhe chamar! Mas quanto todos os soldados viram o pobre frade enlouquecido a querer trepar pela parede dos aposentos do governador para chegar ao telhado acima, recearam o pior pelo homem. De qualquer forma por todo o lado viam-se bandos de toda e qualquer espécie de aves: desde gaivotas, maçaricos, pombos, melros, estorninhos, garças e sabe-se lá que mais que outro género de passarada a berrarem que nem doidas e a esvoaçar sem rumo algum. Parecia que naquele momento, o Fim do Mundo, e na falta de um Noé e uma arca que as recolhesse para sobreviverem ao dilúvio se encontravam à procura de um profeta que lhe assumisse os papéis: foi o que o doido frade pensou: “Aves, venham salvar-nos, levem-nos por esses ares fora, mas para longe desta Onda de Fúria Divina!”.
Ao longe a Onda temível – o dilúvio enviado por Nosso Senhor limpar a terra de todos os pecadores – estava cada vez mais próxima. Mas por pouco tempo os soldados viram a água da Ria desaparecer de frente das suas vistas, como uma maré vazia em passo acelerado a ter lugar diante dos seus olhos. Parecera que as águas da ria assustadas perante o avanço da Onda da Fúria Divina tinham também fugido e por instantes os soldados puderam ver o que parecia ser os escolhos de uma velha nau abandonada, um galeão talvez, esquecido quem sabe por 200 anos no fundo da Ria. Mas foi de pouco tempo o seu espanto, pois lá ao fundo a Onda avançava a toda a força, e em menos de nada galgou a frágil duna da Ilha e avançou com ímpeto, e o seu próximo alvo iria ser a primeira construção construída por um homem em Terra – estaria o Forte de São João da Gomeira preparado para aguentar o assalto a Onda que ia acabar com todos os pecadores ? Mas o que distraiu por segundos os homens foi ver a onda a irromper pela barra que a ilha tinha aberto a leste – por graça de Deus a Barra já não estava em frente ao forte em frente ao qual havia sido construído havia 75 anos ! E foram a ver a Onda atirar-se com toda a força a embater nas falésias de arenito exposto. Mesmo assim uma pequena parte da Onda ainda conseguiu galgar o talude e as pequenas pedras de calçada que sustentavam o terraplanado aonde o forte fora alicerçado e por momentos a água chocou contra as paredes do Forte com toda a força mas não avançou mais para dentro – até por graça da existência de um fosso em volta. E então o Forte ganhou um fosso cheio de água salgada por uns tempos. “Milagre!” Já se gritava ! Milagre ! Apesar de a onda não ter conseguido ultrapassar a altura a que forte estava levantado e sabe-se lá que mais. Os soldados, habituados a operar peças de artilharia e disparar espingardas, mal podiam chorar de alegria abraçados uns aos outros. Uma vez que não tinham trazido armamento com o uniforme naquele, pois era dia santo, correram a experimentar os canhões e a disparar que nem um doidos para celebração. No meio disto tudo esqueceram-se do pobre frade que ainda guinchava que nem um doido lá em cima do telhado dos aposentos do Governador ? E por falar do Governador, aonde teria ido ele parar ? Do excelentíssimo sr. Vicente de Fonseca Pimentel !? Parece que pela fúria louca que ia ao cavalgar por esses campos fora e não respeitar em seguir as estradas acabou por embater com a cabeça contra uma oliveira, cair da montada e desmaiar. Quem o encontrou mais tarde a balbuciar como um louco prostrado de barriga para o ar foi um camponês que encontrou a sua montada à solta a calcocorrear nos seus campos e quis ir devolvê-lo ao dono.
Acontece que Tavira e o Leste Algarvio foram menos afectados pelo tsunami que emanou do enorme sismo que agitou toda a Europa em 1 de Novembro de 1755. Afinal tinha ocorrido outro em Tavira havia 33 anos (1722) e que teria causado muito mais estragos e só pessoas com mais de 40 anos o recordavam, de modo que talvez não o nosso frade, que só tinha 30 anos, e a maioria dos soldados de artilharia também não estar acima desse limite, pela maneira como foram apanhados de surpresa.
A orientação da costa, pelo facto de ser de sueste – noroeste (SE-NW) , o que fazia com que a “crista do tsunami” entrasse com um ângulo mais afastado de 90º em relação à linha de costa do que em Lagos ou Lisboa pode também ter ajudado nesse facto. Anos depois um inquérito mandado fazer pelo Marquês de Pombal resultou de que apenas uma pessoa teria falecido em toda a cidade de Tavira e seu termo. Terá sido por um dano causado pelo terramoto ou por um acto de desvario , tal como o frade e o governador tiveram, mas por sorte nada lhes aconteceu !? Isto é só uma história saída de uma imaginação, mas quando olho para as muralhas do velho forte agraciado a São João Baptista, fico a pensar nos seus 350 anos de história, e todas as histórias e personagens que por lá terão passado, esquecendo, é claro, o que se tem passado neste último ano, e que não lhe faz minimamente juz.