Summer’s end

Like everything that grows and reaches its splendor

The fall awaits to replace it

As it was as a day, the set of ninety days accomplished its duration

As life is, by itself, with a splendor and a fall from grace

But have you ever spent a year that had no summer?

A life without splendor of any kind?

 

Habira, “a escondida”

OU pelo menos era como lhe chamavam, mil anos antes…. desde que os habitantes da outrora florescente cidade de Balsa haviam abandonado a sua cidade à beira-mar plantada, que se havia desenvolvido com todo o comércio trazido pelo mar e a proximidade das costas mauritanas, ali bem próximas, para além de receber o comércio que vinha do norte da Europa numa altura em que o outrora e agora extinto Império Romano dominava toda a Europa, servindo a magnífica cidade do sul da Lusitânia de ponto de paragem e reabastecimento para os mercadores.

Mas parece que o Mar havia decidido finalmente cobrar o seu preço  ao fim de todos aqueles séculos de prosperidade. Após destruir impiedosamente a zona ribeirinha de urbe, com o seu fórum, coliseu e porto incluídos, os seus sobreviventes decidiram afastarem-se o mais possível do Mar, para norte e para o interior e o local eleito foi o antigo povoado deixado pelas fenícios situado na primeira colina cimeira na margem direita sobre o rio mais próximo, que hoje conhecemos por Gilão. O tempo que levava de abandono era grande e os balsenses sobreviventes haviam esquecido o seu nome. O rio a partir daquela colina permitia ter uma visão ampla a partir do ponto onde o rio se alargava de tal forma para dar lugar a um imenso mar interior, na realidade um estuário, no qual desembocava outro curso de água, que hoje conhecemos por Almargem. O pequeno mar da desembocadura do Gilão era ele, próprio, abundante em todo o género de peixe e marisco, permitindo o sustento da pequena população de poucos milhares de almas que haviam sobrevivido dos antigos balsenses, evitando os riscos da pesca em mar alto.

Para além de mais, a presença de uma ponte mesmo junta da colina, apesar de estar em muito mau estado e que havia sido edificada pelos romanos, permitir-lhes-ia  usufruir da vantagem de uma via de comunicação terrestre com outros povoados próximos para leste como Cacila e, junto ao Rio Anas (agora chamado uádi-Ana), Al-Qasruh, a antiga Baesuris, hoje Castro Marim e para oeste, Ossónoba, agora rebaptizada Harúne (hoje Faro) pelo conquistadores árabes e berberes, que poucos séculos haviam atravessado as Colunas de Hércules e dominado todo o Reino Visigodo da Ibéria em menos de dez anos. Uma nova religião de deus único, mas com nome diferente, Alá, havia sido imposta pelos conquistadores provenientes do outro lado do mar.  A nova vila fortificada, erigida no alto da primeira colina dominante sobre o Rio e longe dos perigos levantados pelos humores do Grande Mar, passava despercebida pelos navegantes no mar alto. Mas o povo da nova cidadela fortificada construiu templos para orar a Alá, mas a memória da sua antiga morada permaneceu ainda viva graças a lendas contadas pelos mais velhos, e o povo procurou consolação em Alá, para qu’Este os protegesse de uma nova investida do Oceano. Pensando terem ficado ao abrigo do mar, deram à sua nova morada o nome de Habira, que na língua da sua nova religião que adoptaram significa “a escondida”. Escondida e abrigada de todos os perigos que haviam destruído antes a sua outrora querida e magnífica Balsa, a qual não passava agora uma cidade fantasma, onde os habiri se deslocavam de vez em quando para reaproveitar a pedra já trabalhada e talhada da sua antiga cidade destroçada pelo mar, para a construção das suas novas habitações na sua nova morada junto do rio. De certa forma, Habira era como uma fénix renascida feita da pedra reutilizada que antigamente pertencera aos edifícios da outrora florescente Balsa.

Mas apesar de todos os seus percalços, os habiri não puderam um dia fazer face a uma invasão de homens altos, pálidos, e de longos cabelos claros que apareceram subitamente desembarcando do interior de barcas à vela e remos adornadas com cabeças de animais ferozes à  proa. Estes homens, com vestes de couro, vinham armados com machados de lâmina curta e estreita à cintura que usavam como arma de arremesso fatal. Estranha gente vinda do norte, homens rudes, altos e pouco dados a emoções, com vontade inumana de saquear, pilhar e destroçar. Com uma disciplina fria e atroz, saquearam toda a vila e a mesquita sem dó e piedade, levando consigo as mulheres e crianças para servirem de escravos ou satisfazerem outros caprichos. Os sobreviventes ao assalto dos homens do Norte despertou nos habitantes da vila do topo da colina a ideia de que a sua ideia inicial de se afastarem do mar não havia surtido efeito, pois os perigos que advinham do Mar  podiam muito bem subir com o rio, como a maré. Dessa forma, decidiram reforçar as muralhas e erigir uma torre de vigia mesmo à entrada da ponte. E, para que os sentinelas que fizessem a ronda pelas muralhas não tivessem de a descer para atingir a torre, ergueram um pano de muralha com um arco por baixo que ligava o perímetro das muralhas à nova torre, que os vindouros viriam a conhecer como Torre do Mar. Desta forma, os vigilantes poderiam ver em primeira mão, quaisquer ameaças vindas do Mar antes que estas pudessem constituir um perigo para os seus habitantes. Mas os antigos habitantes de Balsa, já com pouca memória da sua antiga portentosa cidade, entenderam que não podiam continuar a voltar costas ao Mar e decidiram deixar os seus receios de lado, e começaram lentamente a restabelecer os seus antigos laços com o Elemento líquido, perdidos desde a ruína de Balsa. Lançaram-se na construção de fustas e barcas que lhes permitiam atingir o Mar a partir do Rio. Com os receios colocados de lado, aperceberam-se que podiam finalmente confrontar com os perigos do Mar enfrentando-o no seu elemento. Preparando-se para uma nova eventual invasão de povos do Mar, começaram a apetrechar os seus barcos com instrumentos de defesa. Um arqueiro acompanhava sempre todas as barcas e cada embarcação possuía pelo menos dois pescadores com uma curta cimitarra escondida debaixo dos seus andrajos marítimos. Para o que desse e viesse, estariam prontos para todas as provações que o traiçoeiro Mar ainda teria na sua liça para investir contra os antigos balsenses, agora rebaptizados de habiri.

A presença de uma galé vinda de ocidente em mar alto lançou o alarme entre a pequena frota de pescadores tornados milicianos. Com seis embarcações  e a ajuda do vento alcançaram a galé, que, atrapalhada, não pôde resistir às flechas dos habiri. Rapidamente os habiri abordaram e entraram a bordo da galé, matando todo a pouca resistência que encontraram, pois a galé pouca defesa própria possuía, pois não estava à espera, estando as duas margens do Oceano sob o domínio do mesmo credo, enfrentar um invasor em mar alto. Os habiri, levados apenas pela sua necessidade de defenderam, acabaram, sem o desejar, de cometer um crime. Mataram toda a tripulação, e, procurando despojos do navio que pudessem aproveitar, encontraram arcas repletas de moedas de prata, para além de panos de fina seda. O seu esforço havia sido recompensado. Sem o saberem, e o desejarem, a necessidade de auto-defesa dos habiri havia-os transformados de inocentes e desterrados homens  em implacáveis e cobiçosos piratas.

Queixas chegaram aos ouvidos de Abdul Ramane, grande califa do Al-Andaluz, em Córdoba, de que a costa do Gharb era esconderijo para piratas e outros malfeitores que roubavam a prata adquirida como pagamento de imposto cobrado pelos almoxarifes no comércio dos portos da costa oeste do Gharb, de Sakkrah (Sagres) para norte até à zona de fronteira com os sanguinários cristãos, perto de Portucale, na venda dos produtos originários dos portos mediterrânicos do Andaluz.

Um grupo de navegantes ao serviço do califa foram enviados pelo grande soberano para limparem a costa dos piratas. Muito tiveram que sofrer os homens do califa para encontrarem o seu esconderijo. Calcorrearam toda a costa desde Gibraltar até Al-Sakkrah e não puderam descobrir nada  que se parecesse com o covil dos piratas. As investidas destes continuaram sem que a Armada do Califa pudesse encontrar vestígios que indicassem rastos deixado pelos seus ataques. A marca destes era sempre a mesma: os barcos atacados apareciam no fim na forma de cascos queimadas e carbonizados com as quilhas voltadas para cima. Até que o vizir da frota de Abdul Raman tomou a decisão de em cada galé que passasse no sul do Gharb seria acompanhada por um pequena barca, navegando a sul da mesma, pois se os malfeitores provinham de norte, como quem sai de um porto na costa sul do Gharb, não conseguiriam ver a pequena embarcação militar escondida a navegar a sul da galé com a carga preciosa do califa. Continue reading

Alojamento local à escala global

Deviam ser perto das 20 horas, hora média de Greenwhich quando Jaime Manduca entrou na sua suite do seu apartohotel, um simples apartamento com cozinha, sala de estar numa única divisão. Gostava de viver tal como os seus clientes, para quê muito espaço, basta apenas uns metros quadrados onde se podem ter todos os móveis de que se precisa, um frigorífico, um fogão, armários todos empilhados quase até ao tecto. Se fosse necessário apanhar um copito para um drinque bastava puxar do mini-escadote. Tinha lá tudo, até espaço para a máquina de lavar loiça, que estava colocada num nicho atrás do sofá. A tentar prestar atenção às últimas e escaldantes notícias, Donald Trump tinha-se safo da destituição do processo de impeachment no senado por apenas 1 voto a mais contra de um senador democrata renegado, e assim preparava-se para concluir o seu segundo mandato. Mas a atenção de Jaime estava totalmente levada para o seu tablet onde as reservas para todos os alojamentos estavam por preencher até ao último momento. Era o dia 28 de Julho, seu dia de aniversário, mas parecia que já havia sido há muito tempo para Jaime a última vez que tinha comemorado o seu aniversário em companhia. Agora tinha que ter a certeza que o seu 321º alojamento ia ser preenchido esta noite para fazer pela primeira vez o pleno no corrente ano.

“Vou esperar até que nem seja até às 23h, clientes que saem tardíssimo dos restaurantes depois de uma refeição e soirée bem conseguida, provavelmente estarão convencidos de que ainda lhes sobra nem que seja uma vaga.” Ter um mundo na ponta dos dedos era igual tanto para um turista que ainda não resolvido o problema da dormida quase à meia-noite como para o maior gestor de alojamentos locais da Península Ibérica, Jaime Manduca. Todos os canais de reserva exibiam os quartos e apartamentos disponíveis. Existia um software que sincronizava automaticamente em caso de uma vaga ser preenchida. Todos os testes a que aplicação tinha sido sujeita tinham sido positivos, nada de falhas. Mas hoje tinha de ser, iria conseguir fazer ou não o plano. Com quartos e apartamentos desde Madrid, Porto, Lisboa, Porto Covo, Ericeira, Espinho, Leça, Ayamonte, Cádis, Maiorca e a ilha Canária de Fuerteventura. Até para as Berlengas e Culatra se podiam alugar nem que fosse um chaço.

E era precisamente esse quarto em Fuerteventura que faltava alugar. Sendo Fuerteventura um dos destinos mais caros, neste caso o alojamento por alugar era uma cabana à beira-mar. No alto de Julho nada por menos de 500 euros uma noite. Mas era uma ilha paradisíaca, os mais excêntricos não teriam problema em excentrizar-se nem com preços destes. E Jaime estava convencido que, mesmo sendo um alojamento de condições muito especiais, era desta que iria conseguir um pleno pela primeira vez esse ano.

No compasso de tempo enquanto punha uma pizza a aquecer no forno e a tentar prestar atenção o último episódio da XX temporada de “War of Thrones”, não podia deixar de vista o tablet, com o visor sempre em linha de vista graças ao suporte adaptável para tablets. “Incrível como conseguimos saber estas coisas em tempo real” , ao mínimo segundo a cabana de Fuerteventura podia ser reservada ou melhor, alugada na hora. Mas aquilo era obsessivo, a rondar o fanático, e não conseguia desligar nem que fosse por um momento tirar a vista de cima do tablet enquanto tentava acompanhar os últimos momentos essenciais do derradeiro episódio de Game of Thrones ou ainda do forno eléctrico, onde a pizza em aquecimento poderia a qualquer momento estar a atingir o ponto.

E eis que, como que caído do céu, o bungalow de Fuerteventura foi mesmo alugado às 23 horas e 45 minutos locais de Madrid, mais cinco horas que Santo Domingo,  República Dominicana,  onde se situava a suite onde Jaime Manduca tinha a sua habitação mais permanente. Viu que se tratava de um casal de suecos, “esses gostam bem de gastar dinheiro e não têm problemas em perguntar quanto custam as coisas.”  Bingo ! Ao mesmo tempo, Jaime pode sentir o cheiro do queijo derretido sinal de que a pizza estava pronta para ser consumida. Menos mal o episódio do Game of Thrones ter terminado precisamente na mesma altura, pensou Jaime, já a festejar eufóricamente o feito alcançado. E precisamente no seu dia de aniversário ! Mas o programa de festas já estava mais que preparado, e para as festas tinha  convidado o seu partner informático Vítor Arrabio, autor da aplicação maravilha e do sistema informático que tinha conseguido criar um verdadeiro império baseado em coisas pequenas. Casas destinadas a férias. Casas recuperadas. Tinham começado por uns andares não muito longe da sua cidade natal, Portimão, onde com uns trocos deixadas pela herança de um tio solteiro tinham restaurado três apartamento e começado logo a alugar.

Turistas podiam alugar de todo o mundo, fosse na China, Índia, Arábias, Brasil, até da Estação Espacial podiam alugar, se assim o quisessem. Podia-se saber as horas, o tipo de mobiliário, se a casa tinha secador, televisão e até privacidade suficiente para fazerem o ruído para festarolas, se assim o desejassem, ou ainda fazer aventuras com amigas do alheio, se isso lhes caísse no goto, incluindo os detalhes das fantasias, numa secção secreta do site que só  era acessível mediante pagamento antecipado e confirmação a dedo.

Tanta descaradez tinha-os feito conquistar  fama graças aos ventos da polémica, e obrigar a deixar de residir em Portugal desde que o fisco começou a desconfiar de onde vinha tanta fiança, mas o que Jaime jamais esqueceu foi quando se cruzou no elevador de um dos prédios nos quais tinha apartamentos a reparar com um fulano de olhos em bico que estava à procura de alguém que lhe pudesse vender propriedades pelo menos de quinhentos mil euros. Por acaso Jaime conhecia uma e foi assim, negócio da China feito e pronto, com a comissão que ganhou Jaime começou a, para além de alugar as casas que adquiria e recuperara iniciar outros investimentos como uma equipa de programadores experiente que lhe permitiu em breve expandir o negócio em duas vertentes: uma para angariar  proprietários que quisessem alugar as suas casas a veraneantes ao melhor preço sem terem de se preocupar com a lida do imóvel, apenas recebiam o dinheirinho e Jaime Manduca e a sua empresa fazia o resto: limpava, decorava, aconselhava um toque na decoração, se fosse necessário, para tornar as fotografias que ficassem expostas para “mundo ver” mais apelativas.

No fundo, tudo tinha que contar, e encontrar os proprietários que só tinham comprado a casa para virem passar aquele fim-de-semana ao Algarve, para não terem mais de irem chatear-se com uma reserva no quarto de Hotel.

Esses donos de casas que estavam fechadas quase o ano todo, e que estavam limpinhas e onde não se via uma formiga passear-se sequer, havia que as aproveitar e convencer os ditos proprietários a rendê-las. E iniciou um programa de angariação agressivo: “Não sabe o dinheiro que tá a perder a deixar a casa fechada o ano todo sem a alugar a um veraneante ou invernante senior!”

“Em Agosto você chega podia ter direito a cento e cinquenta mocas por mês que você simplesmente perde!” Já tinha decorado a frase que mexia por dentro com os donos das casas e os convencia a assinar quase de cruz de imediato. Em dois anos foram quase duas mil casas. Crescimento monetário não faltou.

Em menos de nada Jaime começou a andar de Cabriolet descapotável. Sendo indivíduo de poucas falas os amigos acharam que ele tinha ganho o Euromilhões, outros que tinha ido ao estrangeiro e andava armado em gigolo com uma ricaça dum desses países da Escandinávia. Assim lhe convinha, para abrir as portas do mercado escandinavo. Para quando no futuro em 100 ou 200 anos devido ao aquecimento global todo o Sul da Europa passasse a ser uma extensão do Saara, quando  os países escandinavos viessem passar a ser as novas Benidormes, Tetuan e Cancun. Um mundo de deusas louras estaria nessa altura já na sua posse, enquanto que no Algarve e Alentejo laboratórios de sequenciação genética se dedicavam à criação da nova raça do Dromedário Lusitano para passeios de camelo para tentar recuperar o que fora outrora a galinha dos ovos de ouro que não tinha resistido às consequências do progresso humano iniciado três séculos antes.

FOTO DE CAPA: Costa de Fuerteventura, paraíso das Canárias

O Mar e a Terra

O mar chega até onde a vista alcança, diz-nos a imaginação, mas para conseguirmos alcançar aonde a vista alcança, temos que ter os pés firmes em qualquer coisa. E o mar chega até onde podermos levar os nossos pensamentos, as nossas ideias, pelos ventos que a nossa imaginação cria, no entanto, a imaginação para poder ter um sentido, precisa no entanto de um guia, porque sem guia não consegue encontrar um rumo. E para poder encontrar um rumo, é preciso ter segurança em algo firme, seja na nossa imaginação seja na terra firme.

E o mar quer chegar até onde pode, sendo que na sua imaginação pretende cobrir toda a Terra, até não existir nenhum grão de areia neste mundo que não sinta o seu toque. A Terra revolta-se contra o intento do mar e contra si lança o fogo das suas entranhas, provocando convulsões, porque apesar de tudo é sobre a Terra que o mar se encontra. Com o fogo a Terra lança também sob a forma líquida o seu elemento sobre o mar, o qual na presença do elemento do mar arrefece e endurece, dando corpo à vingança da Terra sobre a ambição do mar. Das suas entranhas a Terra vomita o seu alimento, trazendo de volta à superfície o que já foi da superfície.

Da imensidão do mar vem o inesperado e o inaudito, pois do mar estranhas criaturas foram engendradas, já a imensidão do tempo se esqueceu. E essas criaturas que não encontraram no mar sustento invadiram a Terra, mas em vez de quererem molhar a Terra trouxeram o mar dentro de si, fechado dentro da pele. E por todo lado essas criaturas que do mar vieram com a mesma ambição do mar, pois por ele foram criadas mas por ele também foram esquecidas, mas transportam o mar dentro de si, largando-o por todos os locais da Terra por onde deambulam. Nela deixam a saliva, o suor, o sangue, saliva, e o sémen, que é a semente que estes seres que carregam o mar e as suas volições dentro de si conseguem multiplicar-se sem ao mar precisarem de regressar. O mar é um lutador infatigável, e por todos os lugares do mundo a sua voz se faz sentir. Às vezes descansa, mas volta ao seu frémito e às suas investidas na senda do seu objectivo, cego e inatingível. A Terra volta a resistir, mas o Mar negociou junto do seu irmão Ar auma aliança em que o Ar permite que minúsculas partes de Si sejam transportadas com a ajuda do seu irmão Ar, e este por este transportadas pelo seu sobrinho Vento, que no seu portento permite puxá-las por cima da Terra e por esse intermédio chegar a todos os lugares acima da Terra, mesmo os mais elevados e escarpados e alcançar todas as frostas do mundo, que se deseja redondo, mas que sem o nível e a consideração dos que não conseguem não se conta a sua história. E essas partículas de mar à Terra regressam, farto o Vento que está de carregá-las, cansa-se e larga-as sobre a Terra, elas então emaranham-se pelos interstícios que toda a Terra apresenta, de entre cada grão com outro grão, de maneira que a senda do mar continua de chegar todos os cantos da Terra não pára, estando os mais recônditos e subterrâneos lugares das entranhas da Terra não esquecidos. Mas a Terra não os deixa vencer e invadir, em lugar disso obriga-os a juntarem-se em pequenos feixes de volta para onde vieram. Pelas nascentes a àgua à superfície regressa, sem no entanto arrancar um pouco da Terra consigo: sedimentos eles se chamam, e de acordo com a gravidade e a vontade da Terra, eles podem ser resgatados de volta para a Terra ou serem para sempre prisioneiros do Mar. Mas o mar não se lhes permite ficarem para sempre no seu seio, pois isso seria uma ajuda na sua derrota pela Terra, de modo que o mar os açoita para regressarem à Terra. No entanto, a Terra não deixa que eles avancem , pois desconfia que estas suas partículas já não sigam os seus intentos. E então o Mar e a Terra chegam a acordo sobre o que fazer com eles: ficam para sempre exilados numa zona que nem é da Terra nem do Mar: onde se disputa a eterna batalha dos elementos entre Terra e Mar eles para sempre ficarão esquecidos e desviados da frente para os lados pois nem a Terra nem o Mar os querem, para lá ficarão para sempre, mas não no mesmo sítio: por todas as praias deste mundo eles viajarão, e onde a Terra e o Mar chegarão a acordo para as formas que desenharão na paisagem: linhas o mais rectas possíveis, de forma que do lado de Terra haverá Mar e do lado do Mar haverá Terra: parece que o mundo ficou de pernas para o ar, mas não será assim: mas o que será da Terra continuará a ser da Terra e o que será do Mar continuará a ser do Mar, no entanto, as fronteiras são volúveis e transitórias: cada ano que se acrescenta a guerra infindável entre Mar e Terra continuará: novas batalhas serão travadas com avanços e recuos, porções do Mar ficarão prisioneiras em Terra, assim como porções de Terra ficarão rodeadas de Mar, resistirão mas acabarão inevitavelmente por ser vencidas, emagrecendo e emagrecendo a cada translação completa sobre o radioso: até que um dia, de tão magros que são se desfazerão, quais castelos de cartas erigidos sobre o Mar. Mas o Mar também mantém as suas investidas sobre a Terra: e nalgumas incursões mais corajosas e intrépidas conseguirá avançados portentosos, mas será obrigado a recuar cobardemente deixando no entanto a marca da sua mordida se desvanecendo lentamente com a ajuda dos intrépidos fenómenos do Ar, que em conjunto com as investidas do Mar pelo Ar, degradarão aos poucos os vestígios da marca deixada pela vitória de um instante sobre a Terra.

Então a Terra e o Mar chegam a acordo para definir as suas fronteiras, e nas suas fronteiras um longo e extenso areal separando a Terra do Mar aparecerá: cordas estendidas, no entanto soltas, deixando pequenos braços do mar penetrar por entre as suas reentrâncias e aberturas, mas perderão a sua força quando o fizerem. Chegarão e inundarão onde os deixarem chegar, mas no acordo entre Terra e Mar os filhos do Mar não poderão levantar o seu estrepitoso clamor de guerra sob a Terra. No entanto, as criaturas que vieram do mar e agora são da Terra sentirão sempre a fúria do Mar quando deixarem a zona desmilitarizada e pelos seus altos domínios penetrarem: sentirão a fúria alvoraçada do Mar sempre que se atreverem a penentrar em seus domínios. Nada ficará sem um preço.

Nos lugares onde os pequenos braços de mar ficarão prisioneiros da Terra, estes, e sem o ímpeto da vontade da maré, em pequenos trechos tremulezentes e fasicantes se tornarão, qual oiro em água ao contacto com o Sol da Manhã.

As criaturas que o mar criou e que a Terra conquistaram, prosperaram sobre a Terra mas no interior do seu ser, continuaram com o programa inicial com que o Mar as criou: com o seu ímpeto e vigor conquistaram também o Ar, e é do Ar que regressam a Terra para aproveitarem todos os frutos que o mar agora lhes oferece, de forma que o Mar na realidade não as esqueceu: o alimento que lhes dá sustento vem no entanto do Mar: na forma de pequenas criaturas, umas com a carne nua, outras protegidas com concha, mas tudo ofertas do Mar de forma que mostra que o Mar não se esqueceu dos seus filhos, e a eles continua ligado para lhes fornecem aquilo de que tanto precisam.

Avança, pois, avança o Mar sobre a Terra, mas a Terra vinga-se largando os sedimentos trazidos pelo regresso dos filhos do Mar nos rios. Os filhos do mar largam os sedimentos ao litoral e estranhas formas aparecem: é a vingança da Terra: pequenas formas aparecem nas traseiras nas linhas atrasadas do exército de vagas marinhas, são as pequenos filhos da Terra que de pequenos aglomerados que se vão constituíndo por acreção. Nas suas costas, os exércitos marinhos são atraiçoados pelo inesperado esquema de contra-ataque da Terra: os sedimentos vão criando pequenas ilhas de areia fina que, com o tempo vão engrossando. Vencido pelo ataque nas suas traseiras o mar tem que bater em retirada, deixando no seu recuo trechos do seu avanço que só pelo ataque da erosão do Ar desparecerão: falésias de areia compactada que parece cimento mas que se desfaz como pó ao toque. Dunas endurecidas que são mêdos mas não metem medo nenhum.  Pequenas carcaças de criaturas esquecidas de tempos antiquíssimos e de que não há menção alguma são reveladas pela investida do Vento: não passam de vestígios petrificados de um lugar que dá prova de que já foram domínios do Mar: mas no entanto, foram vencidos e engolidos pela Terra: mas no entanto, admirada pela criatividade a Terra esta logrou que não se esquecessem.  

Na interminável luta de avanços e recuos entre o Mar e a Terra apareceu o bicho homem que com o seu intento de largar a terra e lançar-se pelo mundo desconhecido, como criatura que leva o Mar dentro de si e ao Mar portanto regressa, e ele pretende fazer o que o Mar ambiciona: levar a sua voz a todos os cantos do Mundo, mesmo aqueles que já vão então além do próprio Mundo em si. O bicho homem julga que consegue fazer o que o seu pai Mar faz e continuará sempre a fazer: tenta, tenta, e volta a tentar assaltar os lugares que nunca alcançou. Existem, no entanto, locais que ele nunca alcançará: estes ficam nas almas dos espíritos que foram preenchidos pelo éter do mar: e em volta deles são construídos muralhas e fortes que permitam protegê-los das agressões daqueles que os tentam enfranquecer. As fraquezas não podemos mostrar: têm de ser esquecidas e escondidas com rigor para nunca mais termos de sofrer. Em volta delas todos nós construímos as nossas fortalezas que temos de defender dos constantes assaltos. Fortalezas essas que não resistem ao tempo mas que depois dentro das quais nos fechamos, se tornam prisões dentro do nosso ser, tornando-se fortalezas para dentro e não apenas para fora. São todas essas fortalezas que todos construímos dentro de nós e que acabam por nos fazer morrer dentro delas.

FOTO DE ABERTURA: Vista a sul do Forte de Peniche

Era para ser um dia de todos os santos normal ….

Acontecera em pleno século XVIII, num dia feriado, 1 de Novembro, estava a ocorrer missa na pequena capela do forte, e a guarnição nesse tempo era composta por cerca de dez homens, 7 artilheiros, o cabo, o sargento e o maioral,  o governador da praça-forte que por tal o ser é dele o único nome que esta história regista, um tal Vicente da Fonseca Pimentel. Toda a gente estava sentada na pequena capela, com poucos lugares mais do que os suficientes para albergar a guarnição, então sentada com os poucos bancos que havia disponíveis e começando a ouvir as primeiras palavras que o sacerdote designado para celebrar a missa, ou melhor o frade franciscano que conseguiram convocar para assumir a celebração – uma vez que todos os restantes sacerdotes estavam ocupados nas suas respectivas paróquias. Estava o referido sacerdote nas exéquias de um soldado da artilharia falecido no último ano, dando graças a todos pelo ano que decorreu, quando de repente, os Altíssimos decidiram entrar também na celebração e então eis que por todo o lado se sentiu tremer. Desde os poderosas e pesadas muralhas do forte até às árvores mais frágeis abanavam que nem umas doidas sacudidas por espíritos invisíveis. Por 30 breves seguintes tudo vibrava: mesas, cadeiras, crucifixos e onze homens apanhados de surpresa dentro de uma minúscula capela, quando deviam estar a dar Graças a Todos os Santos pelo ano decorrido, quando em vez de paz o que receberam foi uma plena artimanha do diabo !

Parecia que do Interior da terra  se erguia um gemido amedrontador que tinha feito troar toda a fortaleza e ainda se ouviam as águas a revolverem-se no fundo do poço que existia dentro do Forte. Toda a gente assustada, como é natural, onze pessoas vieram imediatamente para fora, tentando ainda não perder as suas cabeças recobrando os seus pensamentos e poder tratar-se de um ataque convencional ao forte: estariam aí piratas que dispararam canhões contra o forte. Mas tal não podia ser possível, ninguém ouvira qualquer som que fosse fora o agitar de todas as fundações do forte.

Quando de repente olharam mais à volta, eis que notaram que uma das rampas de acesso aos baluartes tinha desabado e ao longe pareceu ouvir-se aquilo que parecia ser um silvo de algo que vinha de longe do mar, que a princípio parecia ser algo muito indistinto. O franciscano padre improvisado, era um frade dos seus trinta anos, estava histérico e não conseguia articular coisa e coisa, repetindo sempre a mesma frase: : “Salvem-se, salvem-se, pobres almas do Diabo! Veio o Juízo final e vamos ser todos condenados para a danação eterna”.

Ao princípio, todos os soldados tentaram sossegar os ânimos começando pelo cabo e sargento-de-armas e ainda entender o que se tinha passado, quando ao longe, num troar incessante, ouvi-se o mar ao fundo o que parecia o som em crescendo do marejar . Correram todos os homens pela única rampa que restava – já que a outra tinha desabado – e a igreja não tinha janela para o Mar  – quando finalmente chegaram lá acima puderam ver o que parecia ser uma enorme muralha azul-marinha a cintilar ao sol e a aumentar de tamanho a cada segundo que passava, e avançando a toda a velocidade na direcção da Terra, primeiro parecendo apenas um traço azul escuro a alargar a linha do horizonte, mas ao avançar, revelando ser uma enorme muralha azul-marinha avançando a toda a velocidade parecendo que não iria ser detida pelo frágil areal da Ilha-Barreira que estava entre a laguna e o Mar. Os soldados perante mais uma artimanha do demónio e para a qual não haviam sido treinados desataram a fugir para todos os lados. Do governador, que deveria ser o homem que os deveria por todos de volta ao sentido, ninguém sabia: só se ouviu o barulho do cavalgar do único cavalo que estava nas estrebarias disponível a fugir desenfreadamente e a fechar com estrondo o portão do forte através de si: era o governador Vicente Pimentel: achou de dali devia fugir o mais depressa que pudesse, pouco importando a vida dos seus subordinados. Provavelmente, pensou, terem desenrascado um jovem frade franciscano teria causado a Ira do Senhor, que em, castigo, decidiu entregar todas as almas que estavam a ouvir a almas dada por aquele frade que devia ser um feiticeiro e não um representante idóneo para o sacerdócio.

Eis que para acalmar os ânimos, o sargento disse: já fui marinheiro e para subsistir a uma tormenta o melhor é amarrar-nos aos mastros da embarcação: mas o forte não era uma embarcação embora parecesse estar em vias de o parecer vir a ser quando a grande onda marinha avançasse para dentro de Terra. Mas onde iriam arranjar uma corda e um mastro naquele forte. Qual seria o objecto daquele forte construído havia 80 anos mais firmemente incrustado na crosta terrestre que funcionasse como o mais sólido dos mastros de um barco ? Na falta de tempo para pensar todos os homens decidiram usar o pequeno gradeamento que ocupava uma pequena abertura na muralha sul do Forte. Agarraram-se todos uns aos outros como um cordão humano à espera da chegada do pior. Tentaram acalmar-se e aguardar a chegada da Onda da Ira Divina, que era o que o pobre frade não parava de lhe chamar! Mas quanto todos os soldados viram o pobre frade enlouquecido a querer trepar pela parede dos aposentos do governador para chegar ao telhado acima, recearam o pior pelo homem. De qualquer forma por todo o lado viam-se bandos de toda e qualquer espécie de aves: desde gaivotas, maçaricos, pombos, melros, estorninhos, garças e sabe-se lá que mais que outro género de passarada a berrarem que nem doidas e a esvoaçar sem rumo algum. Parecia que naquele momento, o Fim do Mundo, e na falta de um Noé e uma arca que as recolhesse para sobreviverem ao dilúvio se encontravam à procura de um profeta que lhe assumisse os papéis: foi o que o doido frade pensou: “Aves, venham salvar-nos, levem-nos por esses ares fora, mas para longe desta Onda de Fúria Divina!”.

Ao longe a Onda temível – o dilúvio enviado por Nosso Senhor limpar a terra de todos os pecadores – estava cada vez mais próxima. Mas por pouco tempo os soldados viram a água da Ria desaparecer de frente das suas vistas, como uma maré vazia em passo acelerado a ter lugar diante dos seus olhos. Parecera que as águas da ria assustadas perante o avanço da Onda da Fúria Divina tinham também fugido e por instantes os soldados puderam ver o que parecia ser os escolhos de uma velha nau abandonada, um galeão talvez, esquecido quem sabe por 200 anos no fundo da Ria. Mas foi de pouco tempo o seu espanto, pois lá ao fundo a Onda avançava a toda a força, e em menos de nada galgou a frágil duna da Ilha e avançou com ímpeto, e o seu próximo alvo iria ser a primeira construção construída por um homem em Terra – estaria o Forte de São João da Gomeira preparado para aguentar o assalto a Onda que ia acabar com todos os pecadores ? Mas o que distraiu por segundos os homens foi ver a onda a irromper pela barra que a ilha tinha aberto a leste – por graça de Deus a Barra já não estava em frente ao forte em frente ao qual havia sido construído havia 75 anos ! E foram a ver a Onda atirar-se com toda a força a embater nas falésias de arenito exposto. Mesmo assim uma pequena parte da Onda ainda conseguiu galgar o talude e as pequenas pedras de calçada que sustentavam o terraplanado aonde o forte fora alicerçado e por momentos a água chocou contra as paredes do Forte com toda a força mas não avançou mais para dentro – até por graça da existência de um fosso em volta. E então o Forte ganhou um fosso cheio de água salgada por uns tempos. “Milagre!” Já se gritava ! Milagre !  Apesar de a onda não ter conseguido ultrapassar a altura a que forte estava levantado e sabe-se lá que mais. Os soldados, habituados a operar peças de artilharia e disparar espingardas, mal podiam chorar de alegria abraçados uns aos outros. Uma vez que não tinham trazido armamento com o uniforme naquele, pois era dia santo, correram a experimentar os canhões e a disparar que nem um doidos para celebração. No meio disto tudo esqueceram-se do pobre frade que ainda guinchava que nem um doido lá em cima do telhado dos aposentos do Governador ? E por falar do Governador, aonde teria ido ele parar ? Do excelentíssimo sr. Vicente de Fonseca Pimentel !? Parece que pela fúria louca que ia ao cavalgar por esses campos fora e não respeitar em seguir as estradas acabou por embater com a cabeça contra uma oliveira, cair da montada e desmaiar. Quem o encontrou mais tarde a balbuciar como um louco prostrado de barriga para o ar foi um camponês que encontrou a sua montada à solta a calcocorrear nos seus campos e quis ir devolvê-lo ao dono.

Forte São João da Barra, Cabanas de Tavira, Algarve, Portugal by Maximilian Xavier

Acontece que Tavira e o Leste Algarvio foram menos afectados pelo tsunami que emanou do enorme sismo que agitou toda a Europa em 1 de Novembro de 1755. Afinal tinha ocorrido outro em Tavira havia 33 anos (1722) e que teria causado muito mais estragos e só pessoas com mais de 40 anos o recordavam, de modo que talvez não o nosso frade, que só tinha 30 anos, e a maioria dos soldados de artilharia também não estar acima desse limite, pela maneira como foram apanhados de surpresa.

A orientação da costa, pelo facto de ser de sueste – noroeste (SE-NW) , o que fazia com que a “crista do tsunami” entrasse com um ângulo mais afastado de 90º em relação à linha de costa do que em Lagos ou Lisboa pode também ter ajudado nesse facto. Anos depois um inquérito mandado fazer pelo Marquês de Pombal resultou de que apenas uma pessoa teria falecido em toda a cidade de Tavira e seu termo. Terá sido por um dano causado pelo terramoto ou por um acto de desvario , tal como o frade e o governador tiveram, mas por sorte nada lhes aconteceu !? Isto é só uma história saída de uma imaginação, mas quando olho para as muralhas do velho forte agraciado a São João Baptista, fico a pensar nos seus 350 anos de história,  e todas as histórias e personagens que por lá terão passado, esquecendo, é claro, o que se tem passado neste último ano,  e que não lhe faz minimamente juz.

 

 

Amor ? Quem o quer !?

Acredito que a todas as criaturas vivas lhes foi dado o dom de amar, mas esse dom ao contrário dos outros, não é para ser aproveitado sozinho, ele foi feito para ser gozado em conjunto, com demais criaturas. Basicamente, é um dom que permite que nós interajamos e fomenta o convívio. Obviamente que estou a falar do amor no sentido mais abstracto no termo: quiçá lhe chamem platónico, outros lhe chamem fraternal. Não sei, se calhar o melhor é nem se calhar complicar e vamos chamar-lhe simplesmente chamar-lhe Amor.
Na Mitologia Grega, os primeiros seres criados pela Mãe Terra fruto da sua relação com o Céu foram os ciclopes, que, como devem, eram gigantes contendo apenas um olho desenhado na sua ampla cabeça calva. Essas criaturas foram espoliadas de qualquer interesse e compaixão por todas as restantes criaturas vivas, sendo temidas e receadas, muito dificilmente lhes foi dado o dom de poderem amar. Como haveria de ser, constituíndo como eram criaturas horrendas, lhes fosse dado o dom de amor. Impossiiblitados de poderem dar uso a esse dom, morreriam de solidão. Não consta que algum ciclope fosse capaz de amar, visto que o mais famoso, Polifemo, adorava alimentar-se de carne humana.

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O ciclope, óleo e guache por Odilon Redon, sem data (Kröller-Müller Museum)

A mitologia grega, ao crontário da cosmogonia judaico-cristã, permitia que as suas divindades deixassem imperfeitas as suas criações, e os ciclopes eram um perfeito exemplo disso pois estiveram precisamente entre as primeiras tentativas das divindades mais gregas mais ancestrais (O Céu e a Terra) de criarem criaturas à sua imagem, capazes de olharem, ouvirem, caminharem, e porventura sentir. Mas provavelmente o amor não esteve entre as primeiras qualidades com que Úrano (o nome do deus Céu em Grego) e Gaia (nome da deusa-mãe Terra em grego) concedeream às suas primeiras criações. Os mitógrafos gregos nunca falam da descendência que pudesse ter havido entre ciclopes, porque senão poderiam ter colocado em risco os Titãs e os Olimpianos, que se sucuderam àqueles no domínio do Mundo.

Isto tudo a respeito dos ciclopes que representam todos os seres imperfeitos que “existem” na nossa realidade que provavelmente precisarão de amor e que têm capacidade de amar, e os deuses ou Deus não se lhes esqueceu de lho conceder, mas que sofrem por que têm dificuldade em encontrá-lo nos tempos que correm, em que o Amor não abunda.

Um forte cercado na secretaria

Neste dia de um mês de Março e após uma madrugada onde a ventania insistia em não partir destas paragens, finalmente o sol pode-se assomar sobre o litoral. Veio logo o calor, pois claro, numa altura em que a Primavera parece estar prestes a desabrochar e em que os melros e as andorinhas com as suas canções decoram toda a paisagem sonora, o clamor incessante do mar lá ao longe, furioso por as dunas não lhe permitem avançar mais por terra dentro, interrompido e aqui e ali por ruídos de origem humana, são o panorama audiovisual que passa nesta localidade que parece um palco despido. Mas despido porquê !? Sendo Cabanas de Tavira uma terra voltada para o mar vendendo a água, a areia, o calor e o sol do seu litoral, é maior a sensação de vazio e de solidão nestes meses de defeso para a actividade turística. Os dias de animação e de início do espectáculo estival e as luzes que o vão iluminar estarão prontas quando chegar a devida altura.

Mas nem tudo vai estar no sítio como deveria estar. Dois sinais de trânsito do tipo de proibição colocados numa posição invulgar e uma nova vedação colocada num local que antes ninguém consideraria como crime usufruir. Diz o diz-que-disse e o passa-palavra que o senhor daquelas terras acordou de um logo sono adormecido a invocar a posse de todos os grãos de areia da sua propriedade.

Caricata é a situação desta propriedade que envolve completamente um velho forte seiscentista – fazendo lembrar a situação do rochedo de Gibraltar – que é testemunho de outras eras em que ameaças vinham não da terra mas do mar. Este velho forte, agora adaptado de acordo com a actividade económica dominante na região, está neste momento sitiado não por exércitos com peças de artilharia mas por torres de assalto compostas por pilhas de documentos legais e os seus assaltantes não são soldados mas advogados, recebendo as orientações de proprietários que se digladiam entre si ao estilo dos antigos torneios medievais, investindo a cavalo com as suas longas alegações como lanças.

São meros peões os incautos turistas que se deparam com os resultados destas intestinas batalhas. Irá o velho forte – do qual já não se dispara artilharia propulsionada por pólvora mas fotos de telemóveis com selfies com guaritas por pano de fundo – resistir à batalha legal e de reivindicação de direitos entre as duas partes –  e em que a memória de uma nação aconselha a não se perder, em contraponto com vedações erguidas de acordo com humores de quezílias que não são dignificantes dos nossos antepassados de uma nação rica em contos de centos de anos.