Alojamento local à escala global

Deviam ser perto das 20 horas, hora média de Greenwhich quando Jaime Manduca entrou na sua suite do seu apartohotel, um simples apartamento com cozinha, sala de estar numa única divisão. Gostava de viver tal como os seus clientes, para quê muito espaço, basta apenas uns metros quadrados onde se podem ter todos os móveis de que se precisa, um frigorífico, um fogão, armários todos empilhados quase até ao tecto. Se fosse necessário apanhar um copito para um drinque bastava puxar do mini-escadote. Tinha lá tudo, até espaço para a máquina de lavar loiça, que estava colocada num nicho atrás do sofá. A tentar prestar atenção às últimas e escaldantes notícias, Donald Trump tinha-se safo da destituição do processo de impeachment no senado por apenas 1 voto a mais contra de um senador democrata renegado, e assim preparava-se para concluir o seu segundo mandato. Mas a atenção de Jaime estava totalmente levada para o seu tablet onde as reservas para todos os alojamentos estavam por preencher até ao último momento. Era o dia 28 de Julho, seu dia de aniversário, mas parecia que já havia sido há muito tempo para Jaime a última vez que tinha comemorado o seu aniversário em companhia. Agora tinha que ter a certeza que o seu 321º alojamento ia ser preenchido esta noite para fazer pela primeira vez o pleno no corrente ano.

“Vou esperar até que nem seja até às 23h, clientes que saem tardíssimo dos restaurantes depois de uma refeição e soirée bem conseguida, provavelmente estarão convencidos de que ainda lhes sobra nem que seja uma vaga.” Ter um mundo na ponta dos dedos era igual tanto para um turista que ainda não resolvido o problema da dormida quase à meia-noite como para o maior gestor de alojamentos locais da Península Ibérica, Jaime Manduca. Todos os canais de reserva exibiam os quartos e apartamentos disponíveis. Existia um software que sincronizava automaticamente em caso de uma vaga ser preenchida. Todos os testes a que aplicação tinha sido sujeita tinham sido positivos, nada de falhas. Mas hoje tinha de ser, iria conseguir fazer ou não o plano. Com quartos e apartamentos desde Madrid, Porto, Lisboa, Porto Covo, Ericeira, Espinho, Leça, Ayamonte, Cádis, Maiorca e a ilha Canária de Fuerteventura. Até para as Berlengas e Culatra se podiam alugar nem que fosse um chaço.

E era precisamente esse quarto em Fuerteventura que faltava alugar. Sendo Fuerteventura um dos destinos mais caros, neste caso o alojamento por alugar era uma cabana à beira-mar. No alto de Julho nada por menos de 500 euros uma noite. Mas era uma ilha paradisíaca, os mais excêntricos não teriam problema em excentrizar-se nem com preços destes. E Jaime estava convencido que, mesmo sendo um alojamento de condições muito especiais, era desta que iria conseguir um pleno pela primeira vez esse ano.

No compasso de tempo enquanto punha uma pizza a aquecer no forno e a tentar prestar atenção o último episódio da XX temporada de “War of Thrones”, não podia deixar de vista o tablet, com o visor sempre em linha de vista graças ao suporte adaptável para tablets. “Incrível como conseguimos saber estas coisas em tempo real” , ao mínimo segundo a cabana de Fuerteventura podia ser reservada ou melhor, alugada na hora. Mas aquilo era obsessivo, a rondar o fanático, e não conseguia desligar nem que fosse por um momento tirar a vista de cima do tablet enquanto tentava acompanhar os últimos momentos essenciais do derradeiro episódio de Game of Thrones ou ainda do forno eléctrico, onde a pizza em aquecimento poderia a qualquer momento estar a atingir o ponto.

E eis que, como que caído do céu, o bungalow de Fuerteventura foi mesmo alugado às 23 horas e 45 minutos locais de Madrid, mais cinco horas que Santo Domingo,  República Dominicana,  onde se situava a suite onde Jaime Manduca tinha a sua habitação mais permanente. Viu que se tratava de um casal de suecos, “esses gostam bem de gastar dinheiro e não têm problemas em perguntar quanto custam as coisas.”  Bingo ! Ao mesmo tempo, Jaime pode sentir o cheiro do queijo derretido sinal de que a pizza estava pronta para ser consumida. Menos mal o episódio do Game of Thrones ter terminado precisamente na mesma altura, pensou Jaime, já a festejar eufóricamente o feito alcançado. E precisamente no seu dia de aniversário ! Mas o programa de festas já estava mais que preparado, e para as festas tinha  convidado o seu partner informático Vítor Arrabio, autor da aplicação maravilha e do sistema informático que tinha conseguido criar um verdadeiro império baseado em coisas pequenas. Casas destinadas a férias. Casas recuperadas. Tinham começado por uns andares não muito longe da sua cidade natal, Portimão, onde com uns trocos deixadas pela herança de um tio solteiro tinham restaurado três apartamento e começado logo a alugar.

Turistas podiam alugar de todo o mundo, fosse na China, Índia, Arábias, Brasil, até da Estação Espacial podiam alugar, se assim o quisessem. Podia-se saber as horas, o tipo de mobiliário, se a casa tinha secador, televisão e até privacidade suficiente para fazerem o ruído para festarolas, se assim o desejassem, ou ainda fazer aventuras com amigas do alheio, se isso lhes caísse no goto, incluindo os detalhes das fantasias, numa secção secreta do site que só  era acessível mediante pagamento antecipado e confirmação a dedo.

Tanta descaradez tinha-os feito conquistar  fama graças aos ventos da polémica, e obrigar a deixar de residir em Portugal desde que o fisco começou a desconfiar de onde vinha tanta fiança, mas o que Jaime jamais esqueceu foi quando se cruzou no elevador de um dos prédios nos quais tinha apartamentos a reparar com um fulano de olhos em bico que estava à procura de alguém que lhe pudesse vender propriedades pelo menos de quinhentos mil euros. Por acaso Jaime conhecia uma e foi assim, negócio da China feito e pronto, com a comissão que ganhou Jaime começou a, para além de alugar as casas que adquiria e recuperara iniciar outros investimentos como uma equipa de programadores experiente que lhe permitiu em breve expandir o negócio em duas vertentes: uma para angariar  proprietários que quisessem alugar as suas casas a veraneantes ao melhor preço sem terem de se preocupar com a lida do imóvel, apenas recebiam o dinheirinho e Jaime Manduca e a sua empresa fazia o resto: limpava, decorava, aconselhava um toque na decoração, se fosse necessário, para tornar as fotografias que ficassem expostas para “mundo ver” mais apelativas.

No fundo, tudo tinha que contar, e encontrar os proprietários que só tinham comprado a casa para virem passar aquele fim-de-semana ao Algarve, para não terem mais de irem chatear-se com uma reserva no quarto de Hotel.

Esses donos de casas que estavam fechadas quase o ano todo, e que estavam limpinhas e onde não se via uma formiga passear-se sequer, havia que as aproveitar e convencer os ditos proprietários a rendê-las. E iniciou um programa de angariação agressivo: “Não sabe o dinheiro que tá a perder a deixar a casa fechada o ano todo sem a alugar a um veraneante ou invernante senior!”

“Em Agosto você chega podia ter direito a cento e cinquenta mocas por mês que você simplesmente perde!” Já tinha decorado a frase que mexia por dentro com os donos das casas e os convencia a assinar quase de cruz de imediato. Em dois anos foram quase duas mil casas. Crescimento monetário não faltou.

Em menos de nada Jaime começou a andar de Cabriolet descapotável. Sendo indivíduo de poucas falas os amigos acharam que ele tinha ganho o Euromilhões, outros que tinha ido ao estrangeiro e andava armado em gigolo com uma ricaça dum desses países da Escandinávia. Assim lhe convinha, para abrir as portas do mercado escandinavo. Para quando no futuro em 100 ou 200 anos devido ao aquecimento global todo o Sul da Europa passasse a ser uma extensão do Saara, quando  os países escandinavos viessem passar a ser as novas Benidormes, Tetuan e Cancun. Um mundo de deusas louras estaria nessa altura já na sua posse, enquanto que no Algarve e Alentejo laboratórios de sequenciação genética se dedicavam à criação da nova raça do Dromedário Lusitano para passeios de camelo para tentar recuperar o que fora outrora a galinha dos ovos de ouro que não tinha resistido às consequências do progresso humano iniciado três séculos antes.

FOTO DE CAPA: Costa de Fuerteventura, paraíso das Canárias