Um forte cercado na secretaria

Neste dia de um mês de Março e após uma madrugada onde a ventania insistia em não partir destas paragens, finalmente o sol pode-se assomar sobre o litoral. Veio logo o calor, pois claro, numa altura em que a Primavera parece estar prestes a desabrochar e em que os melros e as andorinhas com as suas canções decoram toda a paisagem sonora, o clamor incessante do mar lá ao longe, furioso por as dunas não lhe permitem avançar mais por terra dentro, interrompido e aqui e ali por ruídos de origem humana, são o panorama audiovisual que passa nesta localidade que parece um palco despido. Mas despido porquê !? Sendo Cabanas de Tavira uma terra voltada para o mar vendendo a água, a areia, o calor e o sol do seu litoral, é maior a sensação de vazio e de solidão nestes meses de defeso para a actividade turística. Os dias de animação e de início do espectáculo estival e as luzes que o vão iluminar estarão prontas quando chegar a devida altura.

Mas nem tudo vai estar no sítio como deveria estar. Dois sinais de trânsito do tipo de proibição colocados numa posição invulgar e uma nova vedação colocada num local que antes ninguém consideraria como crime usufruir. Diz o diz-que-disse e o passa-palavra que o senhor daquelas terras acordou de um logo sono adormecido a invocar a posse de todos os grãos de areia da sua propriedade.

Caricata é a situação desta propriedade que envolve completamente um velho forte seiscentista – fazendo lembrar a situação do rochedo de Gibraltar – que é testemunho de outras eras em que ameaças vinham não da terra mas do mar. Este velho forte, agora adaptado de acordo com a actividade económica dominante na região, está neste momento sitiado não por exércitos com peças de artilharia mas por torres de assalto compostas por pilhas de documentos legais e os seus assaltantes não são soldados mas advogados, recebendo as orientações de proprietários que se digladiam entre si ao estilo dos antigos torneios medievais, investindo a cavalo com as suas longas alegações como lanças.

São meros peões os incautos turistas que se deparam com os resultados destas intestinas batalhas. Irá o velho forte – do qual já não se dispara artilharia propulsionada por pólvora mas fotos de telemóveis com selfies com guaritas por pano de fundo – resistir à batalha legal e de reivindicação de direitos entre as duas partes –  e em que a memória de uma nação aconselha a não se perder, em contraponto com vedações erguidas de acordo com humores de quezílias que não são dignificantes dos nossos antepassados de uma nação rica em contos de centos de anos.

 

2 Thoughts.

  1. Cada vez mais erguem-se muros e vedações para esconder e defender interesses de pessoas e entidades cuja identidade é protegida pelo sistema corrupto que nos é imposto e nos transforma em vassalos sem memória e sem vontade de lutar pelos nossos direitos patrimoniais herdados num passado distante, mas que devem estar sempre presentes para não corrermos o risco de alem de perdermos o nosso património também podemos perder a nossa Alma.

    Miguel Costa Azevedo

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